Estavam as duas diante do trono. Ambas tinham vindo na
embarcação junto conosco. A primeira tinha o rosto altivo, o maxilar firme de
quem traz muita força consigo, mas o olhar estava aflito. Eu podia ver o medo
neles. O que ela temeria? Sempre há o que temer, quando se é mulher e se viaja
sozinha. O cabelo negro estampava uma mecha tão branca quanto à neve nas montanhas.
Mas ela era jovem e bonita. Os trajes
eram simples como os de uma camponesa e suas mãos se apertavam nervosamente,
apesar de tentar transparecer calma eu podia sentir que em seu interior ela estava
agitada como o mar em uma tempestade. Seu nome era Aer, uma healer, e acabava
de prestar juramento de lealdade ao grande Jarl.
A outra estava em farrapos, cabelos desgrenhados, olhos inchados
pelo choro e tinha as mãos amarradas. Era uma captura, adquirida de um ataque,
mas ainda não tinha o colar. Apesar do estado, os modos e os gestos delicados e
elegantes acusavam seu bom nascimento. Talvez filha de algum rico mercador do
sul, o que poderia render um bom resgate, ou mesmo um preço mais elevado na venda
como escrava. Draco as inqueria sobre quem eram e de onde vinham. Liane era o
nome da segunda, e para espanto de todos, era filha de Cassius de Lydius,
escriba na cidade que agora pertencia a Draco, estava sendo levada para o seu
contrato em Rives-de-Bois quando sua embarcação foi ataca, e propunha ajudar o
Jarl na conquista da cidade em troca de sua liberdade.
Um burburinho circulou o salão. Eu mesma não pude esconder
minha surpresa. Draco ponderava sobre as alternativas. Como ela sabia de
Rives-de-Bois? Não era segredo ali
dentro o próximo passo do Jarl na guerra, todos os livres tinham sido chamados e a reunião tinha essa finalidade também,
acertarem os pontos para levantarem velas em direção à batalha. Rives –de –
Bois tomada permitiria o controle total da floresta do norte e fecharia esse
acesso para o norte. Logo os Jarls se manifestavam. Riam e pediam o colar para
ela. A garota tentava manter a aparente coragem enquanto os protestos
aumentavam no salão.
Foi à voz de Draco que silenciou o salão. Ele queria saber o
quanto ela conhecia a cidade e se podia desenhar um mapa. Meus olhos foram na
direção da outra mulher, Aer, que agora bebia do mead servido por Helga. Ela
parecia aliviada com sua aceitação e entornava a bebida quase de um gole. Eu
percebi o tremor de suas mãos enquanto ela sentava-se e focava sua atenção na
cena que se desenrolava no salão. Eu tinha interesse nela. Aer, a healer, dizia ter vivido entre o povo
das areias. Se ela tinha estado no Tahari, talvez eu conseguisse alguma noticia
de Ivar.
Liane gaguejou quando o mapa lhe foi pedido, percebi que ela
buscava forças dentro de si para conseguir. Havia determinação naquela mulher.
Apesar de ela garantir que poderia fazer o mapa, nem todos estavam convencidos
da utilidade dela. Urgrim, um dos Jarls presente na sala, se opunha
veementemente enquanto sua escrava Amora, parecia se estranhar com Helga. Ajuda
de uma mulher para conseguir o que um homem deve conquistar pelo aço. Ele não
era o único a ter essa opinião. O olhar de Draco cruzou o meu antes de informar
Liane sobre a tomada de Lydius e dar seu veredicto.
Vi a garota vacilar e os olhos encherem-se de agua quando
Draco falou da queda de Lydius. Ódio e dor foram o que pude ver no momento em
que busquei os olhos dela. O chão tinha
sido tirado de seus pés. Lydius pertencia
ao inimigo, o destino do pai era incerto bem como o seu destino. Ela parecia
prestes a desmaiar de tanta tensão, mas ainda se agarrava na esperança de
conseguir sua liberdade ajudando os nortenhos.
Para Draco, a decisão já tinha sido tomada. A mulher estava sob seus domínios, pertencia
a ele. O colar por hora não seria colocado, como livre ela seria tratada e
teria transito livre apenas dentro da vila, enquanto ele julgasse conveniente. Caso ela tentasse fugir, poderia ser tomada
por qualquer homem da vila, feita escrava ou mesma morta. Era a sua decisão
final e foi eu mesma que a retirei daquele salão sob o pesado silencio que
reinava nele. Ninguém ousaria ir contra as ordens do Jarl e ele deixava claro
que tinha planos para ela. Tratei de providenciar trajes adequados à sua
condição de livre e garantir que fosse alimentada.
Algo naquelas duas mulheres me intrigava. Quando ambas cruzaram o olhar, tive a vaga
impressão de que já se conheciam. E a
healer, quando me olhava, era como se quisesse buscar algo na memoria. Teria
ela já me visto? Saberia ela quem eu sou? Creio que ambas trazem seus segredos e
que há muito mais sobre elas do que nos foi revelado no grande salão. Mas por hora,
é na healer que esta meu interesse, talvez ela me de noticias de Ivar. Devo encontrar uma maneira de me aproximar.