Os dias se arrastaram sombrios e frios para mim. Retirei-me para
os meus aposentos e deixe-me enredar num mar de vergonha e solidão. Olhava meu
cabelo curto, as marcas no meu rosto e no meu corpo, os pesadelos que me
assombravam as noites e me entregava a inercia e prostração. Não comia, não
tinha coragem de ser vista, a vergonha era meu estandarte maior. Do quarto eu
ouvia os gritos que cada um, envolvido em meu sequestro, bradava a cada tortura
de meu companheiro e de meu filho. Mas nada aliviava. Draco ao contrario,
sentia orgulho, e fazia questão de me falar que era uma batalha ao qual eu
tinha saído vencedora. Mas a que custo? O que sabe um homem sobre as marcas que
eles deixam em uma mulher?
Na quarta manhã apos a minha volta uma
mensagem chegou de Rive de Bois. Era de Tobyr, informando que mercenários
aproveitavam-se dos boatos sobre a Tatrix e o High Jarl do Norte, para atacarem
os muros de Rive de Bois. O posto avançado havia caído e um cerco foi levantado
à cidade. Ele pedia reforços para combater os homens de Wood Clea chus, um
antigo posto avançado, tomado por mercenários, uma terra sem leis, que agora
reivindicava Rive de Bois para si. Talvez o destino tenha sua maneira própria
de resolver as coisas. Talvez os deuses utilizem rotas paralelas para conseguir
o que querem. O fato é que, saber que minha cidade, meu povo precisava de sua Tatrix,
me tirou do ostracismo ao qual eu tinha me enterrado.
Eu não ia permitir que me tomassem a cidade,
não ia permitir que o norte sofresse essa perda. Eu vi o olhar de Draco me cobrando
uma atitude, exigindo que eu reagisse a eminencia do ataque que tomaria de nós
o que tínhamos conseguido. Eu reagi, decidi que iria atender ao chamado, Eu
queria lutar, extravasar toda minha raiva e impotência, descontar tudo o que
passei naqueles malditos mercenários. Só restava conseguir convencer Draco a
permitir me levar junto ao invés de me trancar em um dos seguros cômodos do Palácio
de Rive de Bois. Ivar teve grande influencia na decisão de meu companheiro.
Convenceu Draco, de que se a batalha fosse de alguma maneira perdida, o ultimo
lugar seguro para a sua Tatrix, era o palácio. Seu Tarns, no alto, observando a
luta, era o lugar mais seguro para a Tatrix. Caso algo desse errado, ele
poderia voar de volta para Lydius me trazendo com ele. Draco ponderou e pelos
Deuses, ele concordou.
Devo dizer que me senti viva novamente,
Uma motivação me arrastava e me fazia soltar qualquer corrente que me
prendesse. Disfarcei-me é claro. Não era prudente que soubessem que o jovem
guerreiro nas costas do Tarn do Paxá Elijah era na verdade a Tatrix e High Jarl
woman do Norte. Eu pude ver a batalha do alto, sentir o pulsar do sangue
correndo velos em minha veia, a alegria da vitória quando o cerco caiu e Rive
de Bois era novamente nossa.
Quando retornei triunfante ao Palácio, a vitória
nos acompanhava. Uma ordem era necessária para impedir novas tentativas. O fim
de Woods Clea chus. E assim foi feito. Cada homem que levantou a espada contra
o Norte e Contra Rive de Bois caiu naquele dia. O assentamento foi transformado
em um posto avançado nosso. Mas havia muito dano como sequela daquela
empreitada. Rive de Bois ia precisar de todo recurso possível para ser reconstruída,
para se colocar o projeto dos canais em andamento, e ouro, depois de tantas
campanhas de guerra, depois dos gastos fortificando Lydius e as fronteiras, do ônus
que a contratação e implantação do ninho e de Tarsman geraram, era o que menos tínhamos.
Havia uma necessidade urgente de se adquirir fundos e o se ‘var logo estaria às
portas do Norte. Mas havia uma saída, ainda que arriscada, mas que contava com
o calor da batalha e disposição dos homens: Tharna e suas minas. E assim era
feito, Draco, marchou para Tharna.
Eu? Segui com Ivar para o Tahari. Uma
carta informava da proximidade do nascimento de seu filho. Draco não precisava
de mim para tomar Tharna, precisava do machado e das lanças de seus homens, das
bênçãos dos deuses, mas Ivar, ele precisava de mim, e se tinha algo que eu já
tinha decidido, era que, eu não perderia novamente, nenhum momento importante
do meu filho.
Os deuses nos presentearam com um menino,
um varão, nomeado com o mesmo nome do pai, Ivar. Junto, chegavam as noticias da
conquista de Tharna. A prata fluiria para manter as fronteiras do Norte
seguras. Parti assim que pude para Rive de Bois, mas antes, parei em Ar; eu precisava
ver minha filha, contratar mestres para que pudessem tornar os solos de Rive de
Bois férteis. Eu tinha poucos dias, e pretendia colocar a casa em ordem.
Em nossa casa em Ar, fui recebida por
Vittus meu genro, sempre tão atencioso e educado. Um menino de ouro com
certeza, um acerto na escolha para o contrato de Thássia. Minha filha para
variar estava enfurnada na biblioteca ou no laboratório envolvida com suas
pesquisas e estudos. O garoto, entregue aos cuidados e mimos da escrava ruiva
que o servia, Tessália. Aquilo sim era um perigo completo, apenas minha filha
não via. O pouca idade do rapaz permitia que ela tivesse um papel fundamental
no controle de sua vida e do contrato, mas enfurnada sobre livros, esse espaço
era tomado pela escrava, que já devia ter uma influencia maior do que a minha
filha na vida de Vittus. E tinha meu neto. Três meses e nada de Thássia
engravidar. Apesar de não gostar de me meter na vida de meus filhos, eu tinha
que intervir. Era necessário.
Conversei com Thássia e com Vittus, e
decidi que eles voltavam comigo para Lydius. Vittus informou-se que tinha um
trabalho a fazer para Kamal, algo que me interessou muito. Uma viagem a
Helmustport, atrás de uma espécie de artefato que kamal desejava muito. Vi
nisso a chance perfeita para aproximar meu filho de Thássia e tirar a ruiva do
jogo. Ela iria com Vittus, e a escrava ficaria comigo. Afinal, os dois tinham
que aprender a contar um com o outro. Vittus, não gostou, mas Thássia se
empolgou. Ela tinha tomado para si as pesquisas medicas do tio e da mãe de
Vittus. Fazer um trabalho de campo a animava. O mesmo gosto pela aventura que
tinha Ivar estava também no sangue de Thássia.
Mas outro assunto também veio a tona. Uma
sombra do passado que rasgou minha família ao meio. Que deu origem a raiva e
magoa que permeavam o relacionamento de pai e filho entre Draco e Ivar. O
suposto sequestro de Thássia há anos atrás. Thássia nuca falou sobre isso, mas
eu sabia que Ivar, jamais magoaria a irmã, ou faria qualquer coisa que ela não
quisesse. Eu estava certa. Thássia havia concordado com a fuga, e pior, havia
se calado todos esses anos, Medo do pai? Provavelmente, ela era apenas
uma garota, e viu Draco sacar a espada contra o filho e bani-lo de nossas
vidas. Ela deve ter ficado assustada com certeza. Mas nos anos seguinte, ela
viu as consequências disso e ainda sim, se calou. Draco foi duro com Ivar, e
meu filho pagou um preço alto e pesado demais pra assumir uma culpa sozinho. E
isso, eu pretendia consertar.